«E, de repente, por obra e graça dos professores, o Governo repescou, num fim-de-semana, o seu velho discurso contra os interesses instalados e os privilégios das corporações. Confesso que já tinha saudades deste Governo firme e iluminado, pronto a impor as suas "reformas" à revelia dos "reformados" e da própria realidade. No dia da manifestação, que juntou 120.000 professores em Lisboa, não deixou de ser tranquilizador ver a ministra da Educação voltar ao que sempre foi, garantindo que o processo de avaliação decorria normalmente em todas as escolas: aparentemente, a dra. Maria de Lurdes Rodrigues tem informações preciosas (e confidenciais, claro) que lhe permitem dizer que, por trás da balbúrdia da rua, se encontra, no sossego das escolas, uma larga maioria de professores conscienciosos que apoiam, clandestinamente, as medidas tomadas pelo Governo. O facto de esta segunda grande manifestação dos professores ter juntado mais de 80 por cento da classe e a constatação de que o processo de avaliação está suspenso em mais de metade da escolas são pormenores de somenos que não perturbam a retórica do ministério, embora não possam obviamente deixar de perturbar a qualidade do ensino.
Mais atento à realidade dos números, o secretário de Estado adjunto da ministra lembrou-se de comparar o que parecia incomparável, explicando que, assim como o aumento dos impostos não pode ser negociado com os cidadãos que os pagam, também as medidas avançadas pelo Governo na área da educação não podem ser negociadas com as partes envolvidas no processo. Esta inovadora tese, que sobrepõe os altos desígnios do Governo aos interesses mesquinhos que guiam os governados, abre as portas a um novo mundo socialista onde o diálogo se transforma numa inutilidade e o consenso é, antes e mais, um sinal de fraqueza que se deve a todo o custo evitar.
Entre as habilidades do Orçamento, a abertura às pequenas e médias empresas, o cuidado com os pobres e a atenção aos funcionários públicos, a avaliação dos professores teve o condão de fazer vir ao de cima o verdadeiro Governo do eng. Sócrates e de reacender a sua luta contra os inúmeros privilegiados que se passeiam pelo país. A crise internacional, como se sabe, tem dias: tanto leva à nacionalização do BPN, como se encolhe perante uma classe empedernida que, de acordo com o discurso oficial, anda por aí a protestar na rua porque não quer ser avaliada - ou, pior ainda, porque não está para perder tempo com duas ou três folhas de papel. Como diria o outro, uma classe assim, que não se deixa modernizar, acabará inexoravelmente por ser "triturada".
Pelo menos, é o que garante um tal Castilho dos Santos, secretário de Estado da Administração Pública, com preocupante à vontade: "Trabalhadores, serviços e dirigentes que não estejam com a reforma (da administração pública) serão trucidados." Bem pode o eng. Sócrates andar por aí a pregar contra o "capitalismo de casino", tentando heroicamente aproximar-se da esquerda: a verdadeira natureza do seu Governo surge, límpida e cristalina, através destes seus dois secretários de Estado. Um anuncia, de forma descontraída, que os trabalhadores que não estão com a sua reforma vão ser inexoravelmente "trucidados". O outro garante, cheio de si, que qualquer reforma conta, à partida, com a oposição dos que não se querem deixar reformar. Concluindo, não vale a pena negociar com todos aqueles que, por motivos mesquinhos, estão contra as reformas que os afectam, até porque, em última análise, se estes se mantiverem firmes nas suas nefastas posições, acabarão por ser higienicamente "trucidados". Nos tempos do Estado Novo dizia-se que quem não estava com o poder estava inevitavelmente contra o país. O eng. Sócrates e o seu Governo conseguiram ir ainda mais longe: agora, quem não está com o poder está a um passo de ser "trucidado". É obra! Jornalista»
(Público)
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